Em dois anos, time inativo há uma década retorna, traz atletas conhecidos, enche estádio, chega a mil sócios e avalia possibilidade de se profissionalizar.
Por Bruno Ribeiro — Juiz de Fora, MG
— Foto: Laís Patrício
Imagine uma equipe de futebol com mais de 90 anos, tradicional, parada há uma década, sem condições financeiras, com estádio e estrutura degradados, de uma cidade com cerca de 8 mil habitantes, revitalizar o próprio espaço físico, contratar jogadores conhecidos no meio profissional, voltar a jogar e colocar grandes públicos no estádio, tudo isso no período de apenas dois anos.
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Esse é o Spartano Futebol Clube, de Rodeiro, na Zona da Mata mineira. Com dirigentes não remunerados, o clube, que tem esse nome em alusão ao espírito guerreiro dos habitantes de Esparta, cidade da Grécia Antiga, tem chamado atenção no interior pelo projeto audacioso, contratando atletas com nome no futebol nacional, chegando a um número expressivo de sócios e com públicos grandes nas partidas em casa, superando as médias de todos os times do interior do Campeonato Mineiro de 2019.
Jogos no Alfredo Nicolato sempre com boa presença de público — Foto: Reprodução
Para entender o porquê do time ter se tornado uma sensação é necessário compreender o contexto. Entre os anos de 2008 e 2017, a equipe, que geralmente disputava os torneios regionais na Zona da Mata, ficou parada, trabalhando apenas de forma precária o futebol de base. No segundo semestre de 2017, um grupo de pessoas decidiu organizar um projeto político e concorrer às eleições.
Após vencer nas urnas, o trabalho de Leonardo Delazari começou de forma efetiva na presidência do Spartano. Com o objetivo de reativar o futebol adulto, o mandatário esbarrava nas dificuldades financeiras e na estrutura precária do estádio Adolfo Nicolato.
– Na época havia um estádio sem alvará do Corpo de Bombeiros, com banheiros, gramado, alambrado, vestiários, arquibancada em más condições. Não havia bilheteria, bar e os materiais necessários para o funcionamento, como freezer, chapa, etc. A gente tinha um potencial grande, mas não podia executar por inadequações – contou.
A partir desses obstáculos, a diretoria correu atrás de patrocinadores e apoiadores para o projeto. A prioridade foi a troca de metade do gramado, compra de equipamentos para manutenção e as adequações pedidas pelo Corpo de Bombeiros para que a praça esportiva fosse liberada para receber público. Paralelamente, a diretoria investiu em fontes alternativas de receita, como o programa de sócio-torcedor, que garante presença do associado em todas as partidas do time como mandante e dá descontos em produtos oficiais do Spartano, de acordo com o plano escolhido.
“A gente reuniu somente pessoas que tinham amor pelo clube. O interesse financeiro pelo Spartano não existe. Todos nós, diretores, não recebemos, temos outros empregos, não dependemos do Spartano. Há os funcionários, que recebem mensalmente ou periodicamente por trabalharem no clube”, disse Delazari.
Leandro Euzébio defendeu o Spartano — Foto: Laís Patrício
Depois de arrumar a casa chegou a hora de montar o time para disputar o Regional de Ubá. Com nomes conhecidos, como dos zagueiros Leandro Euzébio, campeão Brasileiro pelo Fluminense em 2010 e 2012, e Welton Felipe, ex-Atlético-MG, e dos meias Francismar, que defendeu Cruzeiro e Vasco, e Rodrigo Dantas, revelado pelo Botafogo, o time voltou ao futebol, chegou à final do torneio e foi vice-campeão para o Portuense.
Sucesso de público
Torcida do Spartano lota estádio em jogos do Regional; assista
Se o time ficou com o gostinho amargo por ter perdido a decisão do Regional de Ubá, o mesmo não se pode dizer com relação à resposta da torcida fora de campo. Revitalizado, o estádio Adolfo Nicolato, que tem capacidade para 3171 torcedores, esteve cheio durante toda a campanha no campeonato. Em seis partidas como mandante, o Spartano colocou, entre sócios, pagantes e não pagantes, uma média 2686 pessoas por jogo, com preços de ingressos que variaram entre R$ 10, R$ 15 e R$ 20 ao longo da campanha.
O GloboEsporte.com fez um levantamento tomando como base os públicos presentes das equipes do interior durante a disputa do Campeonato Mineiro de 2019. Surpreendentemente, o Spartano teve média superior a todos os times da elite que são de fora da capital.
Médias de público no Mineiro
Guarani-MG: 2544
Patrocinense: 2531
URT: 2125
Tupynambás: 2053
Caldense: 1973
Boa Esporte: 1809
Villa Nova-MG: 1726
Tupi: 1572
Tombense: 1107
E não é apenas o público nos jogos que chama atenção. Atualmente, o programa de sócio-torcedor do clube ultrapassa os 1 mil associados. Com planos que vão de R$ 12 a R$ 52, o torcedor do Spartano tem acesso aos jogos e descontos na compra de uniformes e produtos oficiais do clube. Cada modalidade do programa dá um desconto específico (quem paga R$ 12 tem 10% de desconto, enquanto quem paga R$ 52, tem 50%). De acordo com o próprio Spartano, em Minas Gerais, o time só não tem mais sócios que Cruzeiro, Atlético-MG e América-NG.
Para ter uma linha de produtos, o time investiu na construção de uma identidade visual para o clube, fundado em 6 de março de 1923, e que tem no currículo a conquista do Regional em 1993. Além do marketing e busca do fortalecimento da marca do Spartano na Zona da Mata, o diretor de comunicação do clube, Gabriel Contin, mantém as contas do time nas redes sociais movimentadas, seja com vídeos, fotos e até mesmo artes de contratações para a temporada. A ideia é inspirada nos clubes grandes.
– Eu saco muito sobre as redes sociais dos clubes grandes, não só dos de Minas, como do Brasil todo. Também tem a questão de gostar, entender, acompanhar futebol. Eu me inspiro nas grandes equipes, em alguns que me agradam mais. Mas como temos o gosto pelo esporte, eu também tenho minhas próprias sacadas, o que cria a identidade própria do Spartano – falou.
Treinos diários e sonho do profissionalismo
Em 2019, o Spartano tenta o título do Regional, que escorregou pelos dedos no ano passado. Mais do que isso, o time sobe um degrau na estrutura do futebol. Diferentemente do que a maioria dos clubes que disputam torneios amadores e do que fez em 2018, o time de Rodeiro terá treinos diários e jogadores alojados na cidade.
Segundo o presidente Leonardo Delazari, a diretoria percebeu esta necessidade em 2018, já que tinha um time bom no papel, mas que passava sufoco contra os adversários por não treinar diariamente. Após fazer as contas, ele e os diretores perceberam que os gastos com transporte, hospedagem e alimentação para trazer os atletas nos finais de semana para os jogos não eram tão diferentes do investimento para manter os jogadores na cidade treinando.
Um dos incentivadores deste passo à frente do projeto foi o escolhido para dar sequência ao trabalho. Vice-campeão da Segunda Divisão do Campeonato Mineiro de 2018 pelo Athletic, Cícero Júnior será o treinador do time em 2019 e se diz lisonjeado por fazer parte da transição entre o amadorismo e a profissionalismo, sonho do Spartano.
– Uma das coisas que me fez aceitar a proposta é a expectativa que a diretoria tem de profissionalizar o Spartano. Eles vieram atrás de mim para eu ajudar e uma coisa que ficou combinada é realmente fazer um trabalho profissional, com atletas alojados, com estrutura de alimentação, treinamento, para ser um case para a profissionalização. O Spartano é pioneiro em várias iniciativas, com várias ações de marketing que clubes maiores não fazem. Tudo isso me levou a abraçar a ideia – destacou o comandante, que terá no elenco peças como o zagueiro Thales, ex-Tupi e Tupynambás, o meia Francismar, que segue no projeto, e o também armador Michel Cury, ex-Tupi.
No entanto, o Spartano mantém os pés no chão. A diretoria pensa em profissionalizar o futebol e disputar a Segunda Divisão do Campeonato Mineiro. No entanto, o clube avalia cautelosamente os custos para se filiar à Federação Mineira de Futebol e poder disputar torneios estaduais com o time principal.